sexta-feira, 27 de junho de 2008

Perco o amigo mas não perco a propaganda


Pense num garoto propaganda de peso.
Valeu, João!

segunda-feira, 23 de junho de 2008

Esse juiz será tataravô do coronel Prado?

SENTENÇA JUDICIAL EM 1833 - PROVÍNCIA DE SERGIPE
"Ipsis litteris, ipsis verbis" - (LINGUA PORTUGUESA ARCAICA)

PROVÍNCIA DE SERGIPE
O adjunto de promotor público, representando contra o cabra Manoel Duda, porque no dia 11 do mês de Nossa Senhora Sant'Ana quando a mulher do Xico Bento ia para a fonte, já perto dela, o supracitado cabra que estava de em uma moita de mato, sahiu della de supetão e fez proposta a dita mulher, por quem queria para coisa que não se pode trazer a lume, e como ella se recuzasse, o dito cabra abrafolou-se dela, deitou-a no chão, deixando as encomendas della de fora e ao Deus dará. Elle não conseguiu matrimonio porque ella gritou e veio em amparo della Nocreto Correia e Norberto Barbosa, que prenderam o cujo em flagrante.
Dizem as leises que duas testemunhas que assistam aqualquer naufrágio do sucesso faz prova.
CONSIDERO: QUE o cabra Manoel Duda agrediu a mulher de Xico Bento para conxambrar com ela e fazer chumbregâncias, coisas que só marido della competia conxambrar, porque casados pelo regime da Santa Igreja Cathólica Romana; QUE o cabra Manoel Duda é um suplicante deboxado que nunca soube respeitar as famílias de suas vizinhas, tanto que quiz também fazer conxambranas com a Quitéria e Clarinha, moças donzellas; QUE Manoel Duda é um sujeito perigoso e que não tiver uma cousa que atenue a perigança dele, amanhan está metendo medo até nos homens.
CONDENO: O cabra Manoel Duda, pelo malifício que fez à mulher do Xico Bento, a ser CAPADO, capadura que deverá ser feita a MACETE. A execução desta peça deverá ser feita na cadeia desta Villa.
Nomeio carrasco o carcereiro.
Cumpra-se e apregue-se editais nos lugares públicos.
Manoel Fernandes dos Santos, Juiz de Direito da Vila de Porto da Folha
Sergipe, 15 de Outubro de1833.
(Fonte: Instituto Histórico de Alagoas)

domingo, 22 de junho de 2008

Pensamento da semana

Carro de retardado tem que ter um som.

Nunca na história desse país

Endividamento cresce 47% em 26 meses. Mais de 15 milhões de clientes de bancos têm dívidas acima de R$ 5.000, aponta cadastro do BC; dado já preocupa o governo. Universo de clientes com alguma dívida, mesmo que pequena, é de 80 milhões; cada consumidor tem, em média, 3 débitos diferentes”. (Folha de São Paulo)
À exceção da frase “dado já preocupa o governo”, as informações acima são verdadeiras. Fazem parte das conclusões de um estudo realizado pelo Banco Central. O fenômeno é resultado de uma fórmula sustentada pela velha máxima do “juntar a fome com a vontade de comer”: de um lado, uma classe média massacrada por baixos salários, altos impostos e inflação disfarçada, vitima da sedução do consumo de bobagens; de outro lado, a facilidade de crédito possibilitada pelos bancos, que a cada trimestre comemoram novos recordes de faturamento sobre o lombo dos Zé Manés que pagam as taxas de juros mais altas do mundo. Tudo sob proteção e conivência do governo.
Quem anda pelo centro da cidade já deve ter percebido a quantidade de promotoras de escritórios correspondentes dos bancos, distribuindo panfletos e fisgando otários para a armadilha do empréstimo fácil e com prestações a perder de vista. O centro da cidade tem mais escritório de financeira do que barraca de camelô. Todo bairro da capital e toda cidade do interior tem no mínimo duas dessas lojas. Resultado: tudo quanto é funcionário público e portador de contracheque amarrado a pelo menos um empréstimo consignado, desses que os bancos descontam diretamente em folha de pagamento.
A culpa pode ser dividida meio a meio. Nossa responsabilidade fica por parte do consumismo desenfreado de bobagens, principalmente eletrônicas. Nunca vi povo pra gostar mais de celular, meu Deus. Tem gente que troca de celular de dois em dois meses. Por falar em celular, é bom lembrar que esse povo que se encontra agora com a corda no pescoço é o mesmo que, semanalmente, deposita 40 milhões de reais nos cofres da Rede Globo a cada paredão do Big Brother, através das ligações telefônicas.
Quanto ao governo, puxemos pela memória. Lula elegeu-se duas vezes sustentado pelo discurso de promover uma maior igualdade social, direcionando a política econômica ao objetivo de uma distribuição de riqueza mais justa. Por este discurso, portanto, a política deveria consistir num esforço para diminuir a concentração de riqueza na classe mais alta (os mais ricos) e numa distribuição desta riqueza entre os mais pobres. Na prática, porém, quem pagou a conta foi a classe média. Nunca na história desse país (como diz o Lula) os ricos foram tão ricos. Os bancos comemoram recordes de faturamento; o homem mais rico do Brasil é um playboy jogador da Bolsa de Valores. O Brasil figura entre os dez países mais ricos do mundo, quando aplicados os parâmetros de compra de Ferraris e carros de luxo, iates e helicópteros. Enquanto isso, os pobres continuam pobres e a classe média aos poucos vai virando classe merda.
A resposta do governo a isso tudo consiste na revelação de dados que em nada condizem com a verdade. A cada visita ao supermercado ou às padarias, as pessoas se assombram com as altas de preços, enquanto a Fundação Getúlio Vargas vai revelando que a inflação mensal foi de zero vírgula não sei quanto. É por isso que o Millôr Fernandes recomendou às donas de casa a comprarem na FGV, pois lá as coisas são mais em conta. Lula aparece na TV dizendo que antigamente só quem comia galinha era o galo e “nunca na história desse país” se vendeu tanta galinha em supermercado. Depois, é só comparar a situação do Brasil a alguma copa do mundo ou às adversidades superadas pelo vencedor do último Big Brother. O povão vai à loucura.
Uma coisa devemos dar crédito a Lula e aos ideólogos desse governo que aí está: cumpriram a missão histórica de demonstrar que o general Golbery estava errado, quando afirmou que a esquerda era burra. O projeto petista arquitetado nos últimos anos desmobilizou politicamente a classe média. O Bolsa Família e todos esses projetos Pró alguma coisa (prouni, projovem, propina), ironicamente pagos com o suor da classe média, anulam qualquer ação política desse segmento social historicamente constituído como formador de opinião.
É sob essa plataforma que o PT pretende perpetuar-se no poder. Não é à toa que Lula fala tanto na “história desse país”. Ele e os ideólogos de seu governo estudaram direitinho a história do Brasil. Na Primeira República, que o pessoal do Vargas apelidou de República Velha, a classe média também foi anulada por meio de uma aliança entre o poder central e os coronéis que dominavam a política local através do famoso “voto de cabresto”. Ou seja, na prática, cada voto da classe média era anulado por 10 votos dos camponeses e miseráveis controlados pelos coronéis. No mesmo sentido, funciona o cartãozinho do Bolsa Família, que tem uma dupla e genial função: coleira, pro povão; mordaça pra classe média.
O Bolsa Família é a versão pós-moderna do voto de cabresto. Nunca, na história desse país, se assistiu a tanta imbecilização, a tanta apatia política como agora. Ta duvidando? Então me responda rápido: de janeiro até agora, qual o(a) piauiense mais discutido(a) e citado(a) nos meios de comunicação e nas ruas da cidade? Nota dez pra quem respondeu Gyselle, do BBB.

terça-feira, 17 de junho de 2008

Obstupefações e lapuzices de um brasileiro punga

Dia desses, em sala de aula do Ensino Médio, discutindo com os alunos sobre a ocupação do Piauí pelas fazendas de gado, o assunto descambou para a questão fundiária e as terras que compunham o patrimônio das antigas Fazendas Nacionais do Piauí. Na oportunidade, comentei sobre o misterioso “desaparecimento” de grande parte das terras que antes pertenciam ao Estado — portanto, ao povo brasileiro —, procurando incitá-los à percepção do processo de grilagem e do roubo de gado que historicamente marcou a relação entre latifundiários do sul do estado e aquelas terras que antes faziam parte do patrimônio da União. Para minha surpresa — e, aparentemente, somente minha — um dos alunos comentou: “— Se as terras estavam ali mesmo, sem nenhuma serventia, os caras estão certos. Eu teria feito a mesma coisa.”
Saí da escola com essa frase na cabeça e uma dúvida me inquietando: o que leva um adolescente brasileiro, instruído e formado dentro de princípios éticos e cristãos, a encarar a corrupção, o roubo escandaloso de terras, a apropriação indevida e imoral de um patrimônio público como coisa natural e até exemplo de esperteza? Imediatamente, recordei um discurso proferido por Rui Barbosa na tribuna do Senado, do qual peço licença para citar um pequeno trecho:

“A injustiça desanima o trabalho, a honestidade, o bem; cresta em flor os espíritos dos moços, semeia no coração das gerações que vêm nascendo a semente da podridão, habitua os homens a não acreditar senão na estrela, na fortuna, no acaso, na loteria da sorte, promove a relaxação, insufla a cortesania, a baixeza sob todas as formas.”

Estas palavras, enunciadas no início do século passado, não poderiam traduzir melhor a realidade brasileira. Há poucos anos, o Brasil assistiu ao desenrolar de um dos maiores escândalos de corrupção do país, que culminou com a cassação do presidente Fernando Collor de Melo; hoje, Collor é senador da República. Há poucos meses, Paulo Maluf encontrava-se preso, acusado pelo desvio de milhões de dólares dos cofres públicos que ainda repousam em paraísos fiscais espalhados pelo mundo; hoje, Maluf é deputado federal. No ano de 2006, as reuniões das comissões parlamentares de inquérito que investigavam esquemas de corrupção nos Correios e na compra de deputados conseguiram bater a audiência das novelas de horário nobre, diante de espectadores estupefatos que, a cada dia, assistiam a um festival de baixarias e de revelações escandalosas jamais vistas na política brasileira. Resultado: grande parte dos envolvidos foi premiada com a reeleição; Marcos Valério, administrador da roubalheira, encontra-se solto e esquecido. Esquecida também já foi aquela quadrilha ligada à jogatina, desbaratada pela Polícia Federal na Operação Furacão, que denunciou um esquema de corrupção e bandidagem envolvendo bicheiros, policiais, advogados, deputados (é claro!) e até (meu Deus!) juízes, desembargadores e ministros de tribunais superiores.
Tudo isso me veio à lembrança enquanto dirigia de volta para casa, e foi o suficiente pra me tirar o sono. Fui tomado repentinamente por uma vontade desgraçada de ser idiota, de ligar o rádio e terminar meu trajeto curtindo Calcinha Preta, Limão com Mel, o Créu e outras merdas congêneres, feliz e despreocupado da vida. Infelizmente não deu. Desde aquele momento até agora, como podem ver, me angustia a possibilidade de assistir à formação de uma geração que corre o risco de tornar-se tão ou mais cínica e corrupta do que a que a precedeu. A impunidade está sendo naturalizada no Brasil, por conta de fatores que me esquivo de aqui mencionar a fim de evitar processo e cadeia, pois sou pobre e sem parentes importantes, condição que me enquadra perfeitamente no perfil daqueles sobre os quais a Justiça brasileira exerce o peso de sua espada magnânima.
Há algum tempo aprendi a perceber que as relações de poder não se situam apenas no âmbito do Estado e das grandes instituições, mas também — e principalmente — em nossas próprias relações cotidianas. Por conta disso, tornou-se mais clara em mim a constatação angustiante de que a sociedade brasileira transformou em gesto natural o hábito de furar uma fila, porque todo mundo fura; de estacionar um carro na calçada, porque todo mundo estaciona; de não devolver um troco errado (mesmo sabendo que quem pagará aquele dinheiro será a funcionária ou o funcionário que cometeu o erro e ganha um salário que sequer dá para sobreviver), pois quem devolve troco errado é otário; de jogar garrafas, papel e outras porcarias na rua, porque a rua já está mesmo cheia de lixo e uma garrafinha a mais não vai acabar com o mundo; de pressionar (com a conivência dos pais, minha Nossa Senhora!) diretores e professores para dar um jeitinho nas notas de fim de ano, a fim de evitar uma reprovação; de encetar todas as artimanhas no sentido de encontrar nos outros as razões para os próprios erros, porque “os outros que se danem e o importante é tirar o meu da reta”... e encerro os exemplos por aqui, porque a simples menção dessas coisas agrava sobremaneira minhas neuroses.
Como todo mundo rouba neste país, peço licença a quem conseguiu ler este texto até aqui, para roubar mais um pouquinho de seu tempo, voltando a citar Rui Barbosa. As palavras transcritas abaixo foram enunciadas há quase um século, mas parece que foram ditas hoje pela manhã. No mais, peço desculpas por meu pessimismo, pela minha falta de humor e de jeitinho brasileiro, por estas palavras tão pra baixo. A todos, desejo muita Ordem e muito Progresso. Vivas ao Brasil e à sua permissividade varonil! Agora, aspas ao velho Rui:

Sinto vergonha de mim por ter sido educador de parte desse povo, por ter batalhado sempre pela justiça, por compactuar com a honestidade, por primar pela verdade e por ver este povo já chamado varonil enveredar pelo caminho da desonra. Sinto vergonha de mim por ter feito parte de uma era que lutou pela democracia, pela liberdade de ser e ter que entregar aos meus filhos, simples e abominavelmente, a derrota das virtudes pelos vícios, a ausência da sensatez no julgamento da verdade, a negligência com a família, célula-mater da sociedade, a demasiada preocupação com o “eu” feliz a qualquer custo, buscando a tal “felicidade” em caminhos eivados de desrespeito para com o seu próximo. Tenho vergonha de mim pela passividade em ouvir, sem despejar o meu verbo, a tantas desculpas ditadas pelo orgulho e vaidade, a tanta falta de humildade para reconhecer um erro cometido, a tantos “floreios” para justificar atos criminosos, a tanta relutância em esquecer a antiga posição de sempre “contestar”, voltar atrás e mudar o futuro. Tenho vergonha de mim pois faço parte de um povo que não reconheço, enveredado por caminhos que não quero percorrer... Tenho vergonha da minha impotência, da minha falta de garra, das minhas desilusões e do meu cansaço. Não tenho para onde ir, pois amo este meu chão, vibro ao ouvir o meu Hino e jamais usei a minha Bandeira para enxugar o meu suor ou enrolar meu corpo na pecaminosa manifestação de nacionalidade. Ao lado da vergonha de mim, tenho tanta pena de ti, povo brasileiro! De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto. (Rui Barbosa, 1914)

sábado, 14 de junho de 2008

Pra quando 2011 chegar

Notícia fresquinha na página do UOL: “apenas 18 senadores da base governista são favoráveis á criação da CSS”. Pra quem já esqueceu (brasileiro tem memória fraca) CSS é a CPMF, só que deixa de ser provisória. Em outras palavras: a CSS é a CPMF sem cuspe. E é bom nem reclamar, senão passam cerol e xingam a gente de “elite”.
Não custa nada perguntar: esses tais “senadores da base governista” não foram os mesmos que se declararam favoráveis a cassação de Renan Calheiros e depois o absolveram em votação secreta? Outra perguntinha inútil: se existe assim tanta predisposição do Senado em não aprovar mais esse imposto, por que a votação foi marcada somente para depois das eleições de outubro?
Eu, como nunca acreditei em duende, papai Noel, gnomo e palavra de político, já iniciei meus preparativos para dar mais esta modesta contribuição para o nosso belo quadro social. Com a ajuda de Deus, do cheque especial e de um agiota camarada que conheço acolá, sobreviverei a 2009. No final do ano, pagarei os juros do banco com meu décimo terceiro (se nosso augusto e imaculado senado não acabar com ele, é claro). Depois eu vendo um rim, pago o agiota e mergulho de cara em 2010 sem um puto, trazendo numa das mãos as listas de material escolar de minhas filhas e, na outra, o carnê do IPTU, que a prefeitura me cobra para manter os buracos da minha rua sempre limpinhos, os postes apagados pra evitar ajuntamento de mariposa e potó e os redutores de velocidade sempre alerta e me multando quando eu passo a 45 por hora. Por falar nisso, esses redutores, no lugar de diminuírem a velocidade dos carros, só tem conseguido reduzir até agora a conta bancária dos otários. A cada dia aumenta a violência no trânsito e a conta da prefeitura. Isso é bom: dinheiro em caixa pra campanha que tá aí em cima.
O que me preocupa mesmo é 2011. Vai que a moda pega e o governo, depois da aclamação de Lula como Defensor Perpétuo do Brasil, em novembro de 2010, inventa de criar a CSCCV (Contribuição Social de Combate à Criminalidade e à Violência), a CSFE (Contribuição Social de Fomento à Educação) e a CSPPTP (Contribuição Social para a Perpetuação do PT no Poder). Não vai dar pra mim. Fiz até os cálculos e tudo: já trabalho, em média, 14 horas por dia e dou aulas aos sábados e domingos; aumentando patrioticamente a jornada diária pra 18 horas e arrumando um bico de madrugada, talvez nem dê pro IPTU, com o preço do pão do jeito que está aumentando. Minhas filhas já avisaram que leite aguado ainda desce, mas sem Nescau elas não tomam nem a pau; o cachorro me olhou meio estranho quando me pegou desembarcando as compras do mês e não viu o saco de ração dele; não satisfeito, o filho duma cachorra ainda rosnou pra mim na hora em que desembrulhei um pacote de massa de milho Sinhá.
Ô animal incompreensível e desumano (tô me referindo ao meu cachorro, e não aos nobres deputados que aprovaram a tal da CSS, muito menos aos senadores que irão aprová-la em novembro).

Quem tá certo é o Danilo Damásio, que resumiu a situação atual brasileira numa nota que me deu aqui uma inveja danada. Já que todo mundo rouba no Brasil, vou roubar aqui sua nota, Danilo.
Tirando o couro
Pela internet circula de tudo. Agora estão criando um manifesto contra o Ibama do Romildo Mafra. Eles perseguem os que fazem bolsas com couro de cobra e com couro de quiba de jacaré. Mas não ligam para o Bolsa Família, feito com o couro da classe media brasileira. (Danilo Damásio)

Sêneca e Mão Santa

Frase do filósofo Sêneca (Lucius Annaeus Sêneca, 4 a.C.-65d.C.): "Não há ventos contrários para quem conhece a direção do porto”.
Sêneca, citado pelo senador Mão Santa em um de seus célebres discursos: “Pra quem sabe pronde rai, num tem rento ruim”.

Ê, Piauí réi!!!

sexta-feira, 13 de junho de 2008

Neste Brasil corrupção

Meu coração está aos pulos! Quantas vezes minha esperança será posta à prova?Tudo isso que está aí no ar, malas, cuecas que voam entupidas de dinheiro, do meu dinheiro, do nosso dinheiro, que reservamos duramente para educar os meninos mais pobres que nós, para cuidar gratuitamente da saúde deles e dos seus pais. Esse dinheiro viaja na bagagem da impunidade, e eu não posso mais.
Quantas vezes minha esperança vai esperar no cais? É certo que tempos difíceis existem para aperfeiçoar o aprendiz. Mas não é certo que a mentira dos maus brasileiros venha quebrar no nosso nariz. Meu coração tá no escuro...
A luz é simples, regada ao conselho simples de meu pai, minha mãe, minha avó e dos justos que os precederam: "não roubarás"; "devolva o lápis do coleguinha", "esse apontador não é seu, minha filha".
Pois bem, se mexeram comigo, com a velha e fiel fé do meu povo sofrido, então agora eu vou sacanear: mais honesta ainda eu vou ficar. Só de sacanagem!
Dirão: “deixa de ser boba, desde Cabral que aqui todo o mundo rouba”. E eu vou dizer: não importa, será esse o meu carnaval. Vou confiar mais e outra vez. Eu, meu irmão, meu filho e meus amigos. Vamos pagar limpo a quem a gente deve e receber limpo do nosso freguês. Com o tempo a gente consegue ser livre, ético e o escambau.
Dirão: "é inútil, todo o mundo aqui é corrupto, desde o primeiro homem que veio de Portugal”. Eu direi: não admito, minha esperança é imortal. Eu repito, ouviram? IMORTAL!
Sei que não dá para mudar o começo, mas, se a gente quiser, vai dar para mudar o final!
(Ana Carolina)

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Santana do Acaraú

Nunca dormi cedo. Na infância, em vez do sono, optei por sonhar acordado ao lado de Machado de Assis, Castro Alves, Victor Hugo, Guimarães Rosa, José de Alencar, Jorge Amado, Manuel Bandeira, Euclides da Cunha, da Enciclopédia Delta Larrousse, muitas revistas em quadrinhos e também de mulher pelada, estas últimas sub-repticiamente surrupiadas dos adultos ou emprestadas por amigos da escola.
Apartado de minha cidade natal, passei a adolescência em Santana do Acaraú. Tomei por hábito vagar pelas ruas desertas da cidade, até altas horas. Tornei-me amigo dos padeiros, dos vigias de praças, dos vagabundos e de alguns notívagos de ocasião, vez por outra acostados a mim ali pela esquina da malandragem ou nos bancos das praças desertas. Paguei um alto preço: fui acusado de principal suspeito do assassinato da louca “Loura”, revistado pelo delegado, pelo Mundola e pelo Célio da Marinês (até hoje não entendi o que diabos o Célio estava fazendo naquela “diligência”); tornei-me o terror dos pais de família santanenses, que ameaçavam suas filhas de deportação pra Fortaleza, caso elas se aproximassem de mim nas férias de julho; virei assombração noturna e referência às mães de adolescentes, sempre recomendando aos seus filhos que retornassem cedo pra casa, em vez de ficar vadiando com o “filho do Marcelo do Gibraltar”. De volta para casa, sob o chamado dos galos nos quintais, lá estava ele, o Marcelo do Gibraltar, cara emburrada (com toda razão, diga-se de passagem), cigarro na mão e, quase sempre, com o anúncio de que um dos filhos do Zequinha Coletor havia passado no vestibular para medicina. Talvez por isso, passei a suspeitar que o Zequinha Coletor tivesse mais de duzentos filhos e fosse dono de uma faculdade de medicina, porque todo dia meu pai me dava a informação de que um filho do “Seu” Zequinha havia passado no vestibular pra medicina, enquanto eu continuava a vagabundear sem destino pelas ruas vazias da cidade. Até de baitola fui acusado, embora em toda minha existência eu jamais tivesse coragem, o altruísmo a grandeza e a vontade de liberar meu fiofó pra seu ninguém.
Foi um preço bem pago. Nessas madrugadas, repatriei meu coração. As ruas de Santana, o cheiro do Acaraú de madrugada, os sons de sua correnteza, do sino da Matriz e das gargalhadas do Rochinha após uma piada do Gilson do Zé Osmar petrificaram em meu peito. Santana foi e é minha. Eu sou o que me constitui, e não há nada mais forte em mim do que a amizade incondicional e fraterna do Savinho; as imagens e lembranças de meu irmão correndo pelas ruas, transformando um talo de carnaúba no mais valente e indomável dos alazões, trazendo na cintura maços de cigarro vazios e dobrados como dinheiro, os quais ele colecionava, guardava e valorizava como se aquilo representasse o lastro financeiro do Tesouro norte-americano. O que sou hoje senão a lembrança do brilho cristalino das retinas da filha da Chiquita, com quem dancei “pinando” nos mela-cuecas do “Clube dos Caboclos”? Os calos de violão que hoje trago em meus dedos não começaram a nascer nos primeiros acordes que improvisei, imitando o Marcelo do Zé Osmar, em noites de serenata? Justamente quando eu começava a desconfiar, foi em Santana que Deus resolver me provar que existia, sim, e tinha muito bom gosto: um mundo de mulher bonita... o Mirim, o Serrote da Rola, o banho de rio nas fazendas do João Américo e do Dr. Aldo, a pescaria no açude da Água Salgada... o balanço de rede na barraca do Perigoso, ao som de Agnaldo Timóteo, Roberto Carlos, Dalva de Oliveira, Odair José e Moacir Franco e ao sabor de serrana com farofa de piaba frita.
É esta a Santana que trago comigo. Em mim, as ruas de Santana ainda tremem ao som das batucadas do Funil; seu povo festeja os brilhos e as cores dos desfiles de carnaval de outros tempos; os olhos de sua gente ainda são os mesmos escandalizados ao verem pela primeira vez uma mulher desfilando em carro alegórico com os peitões de fora (tratava-se de uma puta de Sobral, contratada por nós a peso de ouro, coisa de uns vinte merréis no dinheiro de hoje). Nota triste: foi num desses carnavais que faleceu nosso mascote, um macaco “soin” criado pelo Neguinho do João Brás. Causa mortis, diagnosticada pelo Tuí: cirrose hepática. Nunca mais esqueci meu discurso emocionado, no enterro de nosso mascote e mártir soin: “Vai, velho amigo. Carregaste em vida a triste sina de comprovar aos incrédulos, em teu martírio etílico, a velha máxima: dize-me com quem andas e te direi quem és!”. Netim Bodim debulhou-se em lágrimas... Mas, deixemos de lembranças tristes, pois foi também ali que o Funil comemorou o carnaval de 88, celebrando o fim da escravidão com os negros do Alto da Liberdade e do outro lado do rio. Botamos cem negros nas ruas (noventa e nove contratados e mais o do João Brás, pra fechar a conta do centenário) celebrando conosco a liberdade. Democracia, liberdade, fraternidade, felicidade... Evoé, Funil! Éramos felizes e sabíamos.
Nesta manhã de quarta-feira, recebo e-mail de minha irmã: “Santana saiu no Fantástico”. Pensei comigo: já não era hora. Decepção: não era a minha Santana. Surpresa: minha avó declarando, em cadeia nacional, que, tirando uma ou outra mão de cal nas paredes, o amanhã de seus dias é sempre ontem. O que mais me surpreendeu, no entanto, é que a cidade retratada não era a mesma Santana idealizada e sonhada por um jovem que em certo lugar do passado um dia dividiu comigo, na esquina da malandragem, os sonhos e as expectativas por uma cidade melhor, por um povo mais instruído, menos marginalizado. Jamais pensei que o destino um dia me permitiria revê-lo em situação tão vexatória, tão vergonhosa, ressabiado diante das câmeras do Fantástico, tentando justificar o inexplicável.
Antes tivesse eu ignorado o diabo desse e-mail de minha irmã e jamais assistido a tal matéria do Fantástico. Como doeu ver tudo aquilo, meu Deus! Dilacera a alma a imagem de crianças inocentes assistindo às aulas, comprimidas umas sobre as outras, num cubículo ordinário e mais decadente que os quartos do velho Caneco Amassado, em seus dias mais minguados.
É impossível passar incólume ao depoimento daquela professora, que com certeza recebe uma miséria de salário, persistindo na sua missão impossível de ensinar crianças da primeira à quarta série ao mesmo tempo e numa única sala de aula. Não há como conter a emoção diante do brilho no olhar de cada um daqueles corações tão puros, atentos a cada gesto e palavra da dedicada, abnegada e maltrapilha professora. Em meio à reportagem, confesso que chorei. Como há muito não chorava vi e revi a imagem da mãozinha de uma menina, talvez da idade de minha filha mais nova, ao rabiscar as primeiras letras em seu caderno. Chorei de piedade e de revolta, mas também de alegria pelo sopro de esperança que representam aquele lápis e aquele papel, manejados por mãos ainda (apenas ainda) frágeis e inocentes.
Os responsáveis por toda a sujeira denunciada pelo Fantástico também sabem disso. Talvez por isso mesmo resolveram dilapidar as verbas destinadas à educação. Talvez por isso, tantos livros jogados no lixo. Por ironia, livros de História. Ironia, mas não acaso: é precisamente nos livros de História que encontramos a lição de que os maiores tiranos e corruptos da humanidade também jogaram livros e gente no lixo, massacraram professores, artistas e intelectuais. Antes de jogar os livros de História no lixo, os calhordas deveriam ter lido que todos os corruptos e tiranos um dia sucumbiram justamente pelas mãos daqueles que massacraram, espoliaram, humilharam. Mãos simples, como as daqueles trabalhadores de Santana que desistiram de esperar em vão e construíram em mutirão uma nova escola para seus filhos, ou ainda como aquela frágil mãozinha que empunhava um lápis nas imagens da matéria.
Não consegui ler as palavras que aquela menina tentava rabiscar, mas não posso nem me permito deixar de crer que fossem as palavras esperança e futuro. Por isso mesmo, gostaria de tranqüilizar, com este texto, minha velha e cansada avó.
Se avexe não, dona Altamira: o futuro nem sempre é ontem. Não há mão de cal que apague a História.