domingo, 22 de junho de 2008

Nunca na história desse país

Endividamento cresce 47% em 26 meses. Mais de 15 milhões de clientes de bancos têm dívidas acima de R$ 5.000, aponta cadastro do BC; dado já preocupa o governo. Universo de clientes com alguma dívida, mesmo que pequena, é de 80 milhões; cada consumidor tem, em média, 3 débitos diferentes”. (Folha de São Paulo)
À exceção da frase “dado já preocupa o governo”, as informações acima são verdadeiras. Fazem parte das conclusões de um estudo realizado pelo Banco Central. O fenômeno é resultado de uma fórmula sustentada pela velha máxima do “juntar a fome com a vontade de comer”: de um lado, uma classe média massacrada por baixos salários, altos impostos e inflação disfarçada, vitima da sedução do consumo de bobagens; de outro lado, a facilidade de crédito possibilitada pelos bancos, que a cada trimestre comemoram novos recordes de faturamento sobre o lombo dos Zé Manés que pagam as taxas de juros mais altas do mundo. Tudo sob proteção e conivência do governo.
Quem anda pelo centro da cidade já deve ter percebido a quantidade de promotoras de escritórios correspondentes dos bancos, distribuindo panfletos e fisgando otários para a armadilha do empréstimo fácil e com prestações a perder de vista. O centro da cidade tem mais escritório de financeira do que barraca de camelô. Todo bairro da capital e toda cidade do interior tem no mínimo duas dessas lojas. Resultado: tudo quanto é funcionário público e portador de contracheque amarrado a pelo menos um empréstimo consignado, desses que os bancos descontam diretamente em folha de pagamento.
A culpa pode ser dividida meio a meio. Nossa responsabilidade fica por parte do consumismo desenfreado de bobagens, principalmente eletrônicas. Nunca vi povo pra gostar mais de celular, meu Deus. Tem gente que troca de celular de dois em dois meses. Por falar em celular, é bom lembrar que esse povo que se encontra agora com a corda no pescoço é o mesmo que, semanalmente, deposita 40 milhões de reais nos cofres da Rede Globo a cada paredão do Big Brother, através das ligações telefônicas.
Quanto ao governo, puxemos pela memória. Lula elegeu-se duas vezes sustentado pelo discurso de promover uma maior igualdade social, direcionando a política econômica ao objetivo de uma distribuição de riqueza mais justa. Por este discurso, portanto, a política deveria consistir num esforço para diminuir a concentração de riqueza na classe mais alta (os mais ricos) e numa distribuição desta riqueza entre os mais pobres. Na prática, porém, quem pagou a conta foi a classe média. Nunca na história desse país (como diz o Lula) os ricos foram tão ricos. Os bancos comemoram recordes de faturamento; o homem mais rico do Brasil é um playboy jogador da Bolsa de Valores. O Brasil figura entre os dez países mais ricos do mundo, quando aplicados os parâmetros de compra de Ferraris e carros de luxo, iates e helicópteros. Enquanto isso, os pobres continuam pobres e a classe média aos poucos vai virando classe merda.
A resposta do governo a isso tudo consiste na revelação de dados que em nada condizem com a verdade. A cada visita ao supermercado ou às padarias, as pessoas se assombram com as altas de preços, enquanto a Fundação Getúlio Vargas vai revelando que a inflação mensal foi de zero vírgula não sei quanto. É por isso que o Millôr Fernandes recomendou às donas de casa a comprarem na FGV, pois lá as coisas são mais em conta. Lula aparece na TV dizendo que antigamente só quem comia galinha era o galo e “nunca na história desse país” se vendeu tanta galinha em supermercado. Depois, é só comparar a situação do Brasil a alguma copa do mundo ou às adversidades superadas pelo vencedor do último Big Brother. O povão vai à loucura.
Uma coisa devemos dar crédito a Lula e aos ideólogos desse governo que aí está: cumpriram a missão histórica de demonstrar que o general Golbery estava errado, quando afirmou que a esquerda era burra. O projeto petista arquitetado nos últimos anos desmobilizou politicamente a classe média. O Bolsa Família e todos esses projetos Pró alguma coisa (prouni, projovem, propina), ironicamente pagos com o suor da classe média, anulam qualquer ação política desse segmento social historicamente constituído como formador de opinião.
É sob essa plataforma que o PT pretende perpetuar-se no poder. Não é à toa que Lula fala tanto na “história desse país”. Ele e os ideólogos de seu governo estudaram direitinho a história do Brasil. Na Primeira República, que o pessoal do Vargas apelidou de República Velha, a classe média também foi anulada por meio de uma aliança entre o poder central e os coronéis que dominavam a política local através do famoso “voto de cabresto”. Ou seja, na prática, cada voto da classe média era anulado por 10 votos dos camponeses e miseráveis controlados pelos coronéis. No mesmo sentido, funciona o cartãozinho do Bolsa Família, que tem uma dupla e genial função: coleira, pro povão; mordaça pra classe média.
O Bolsa Família é a versão pós-moderna do voto de cabresto. Nunca, na história desse país, se assistiu a tanta imbecilização, a tanta apatia política como agora. Ta duvidando? Então me responda rápido: de janeiro até agora, qual o(a) piauiense mais discutido(a) e citado(a) nos meios de comunicação e nas ruas da cidade? Nota dez pra quem respondeu Gyselle, do BBB.

Um comentário:

Unknown disse...

... mas quando examinamos os particularismos, descobrimos que num caso qualquer nossos sentimentos dificilmente estão em exata conformidade com o que ordenamos essa máxima e tão relativa noção de justiça. Vc tem uma leitura em outra dimensão dessa porra toda, dai emana meu apreço. Continue estarei de plantão